Atentados ao Choque Tecnológico? - De “Reforma” em “Reforma”..até à Aposentação final (Fernando Pina)

Atentados ao Choque Tecnológico?
De “Reforma” em “Reforma”..até à Aposentação final.


Pese embora a louvável atitude dos nossos Governantes em sacudir o eterno pessimismo dos Portugueses, a realidade lá está a lembrar-nos que as boas intenções não bastam. Se por um lado se apregoa o tão desejado choque tecnológico, pelo outro está-se a criar condições no ensino secundário contrárias a esse desiderato.

O choque tecnológico não vai ser possível sem uma forte componente de Ciências ditas Exactas: Matemática, Física e Química, a par das Ciências Humanas. Se esta premissa for válida, como nos parece ser, então algo de muito grave se está a passar no nosso ensino secundário. Deixaremos para outros melhor apetrechados as Ciências Humanas e fixemos a nossa atenção nas Ciências Exactas. Matemática, Física e Química são a base de todas elas, da Geologia, Biologia, Biotecnologia, Bioquímica, etc, e das diversas Engenharias. Não se trata de umas serem mais importantes do que as outras, mas sim de que as primeiras constituem os fundamentos das segundas. Para escrever poemas é preciso aprender primeiro a ler. E não se pode fazer cálculos numéricos complexos sem conhecer os algarismos, assim como não se pode desenhar pontes sem saber efectuar balanços de forças. A Sociedade Portuguesa de Química não é um Sindicato e por tal não lhe cabe a defesa de postos de trabalho dos seus associados ou qualquer outra reivindicação similar. O que nos preocupa, enquanto sociedade científica, são as consequências da reforma do Ensino Secundário e as deliberações da "Comissão Nacional de Acesso ao Ensino Superior", que estão baseadas numa série de decretos leis anteriormente publicados. As deliberações desta comissão conjugadas com a escolha das provas de ingresso por parte das Universidades está a levar o ensino secundário a um beco sem saída, e em particular ao esvaziamento da Química. Por outro lado circulou, e cremos estar ainda em discussão, uma proposta do Conselho de Reitores, sugerindo entre outras coisas, que um aluno possa entrar em Medicina frequentando apenas Geologia e Biologia em alternativa às disciplinas de Química e Biologia. Qual foi o resultado dessa proposta? Vai para a frente, foi abandonada? Até ao momento desconhecemos a posição actual do CRUP. Mas o problema não se resume à entrada em Medicina. Em consonância, as próprias Universidades estão a alargar em muitas outras licenciaturas o leque de disciplinas de entrada em alternativa, a fim de não perderem alunos. Neste momento, é possível um aluno concluir o ensino secundário, na área de ciências e tecnologias, sem ter alguma vez frequentado do 10º ao 12º uma disciplina de Química: No 10º ano escolhe apenas Biologia e Geologia como disciplina opcional da formação específica. No 11º Ano escolhe Desenho e Geometria Descritiva A, Aplicações Informáticas B ou Economia A como 2º disciplina opcional da formação específica. Neste quadro nunca poderá escolher nem Física nem Química como disciplina opcional no 12º Ano. E conclui os seus estudos secundários.

Facto: no próximo ano lectivo as turmas de Química do 12º ano serão quase completamente varridas das escolas e substituídas por Geologia, Biologia, Psicologia ou mesmo Ciência Política. Claro que Geologia é uma Ciência fascinante tal como a Biologia que certamente será útil aos futuros médicos e a todos os alunos que pretendam frequentar ciências e tecnologias. Mas não seria mais formativo começar a construir a casa pelos caboucos? E se em vez de atemática os alunos puderem escolher a alternativa, Jogos Didácticos II, se em vez de Física, Educação Física (Futebol), não duvidamos da escolha maioritária. Não serão escolhas inúteis, mas sim inadequadas para prosseguimento de estudos. Uma disciplina não substitui a outra. Não podem funcionar em substituição nem sequer em alternativa. Por outro lado sendo as Ciências Químicas e afins das áreas mais produtivas da investigação científica e tecnológica em Portugal, uma passagem pela Web of Science é muito esclarecedora, sendo a Química uma área central indispensável ao choque tecnológico, todo o esforço de gerações pode ser irremediavelmente perdido no futuro. Basta constatar que ainda recentemente foram atribuídos Prémios Nobel da Medicina a Químicos, um deles Químico Orgânico. A Química é uma ciência fundamental. Estamos a deitar para o lixo uma área científica em que somos realmente bons, e com enorme internacionalização. Será com estas estratégias que vamos construir os quadros bem preparados para enfrentar o choque tecnológico e criar a inovação? O caminho do facilitismo conduz, mais cedo ou mais tarde, a situações de difícil retorno. Podem dizer-nos que existe uma alternativa que consiste no recrutamento de bons cérebros advindos dos países do leste europeu (Checos, Eslovenos, Russos, etc.), ou Indianos, e Chineses; estes constituirão uma muito viável alternativa dado estarem melhor preparados nessas matérias que os nossos estudantes. Mas se for esse o caso porque não fechar a porta e desistir?

Quando se perceber que as disciplinas ditas difíceis porque mais estruturantes e exigentes, Matemática, Física e Química, são a pedra de toque de uma reforma que conduza à excelência, à inovação e ao tal choque tecnológico; quando se perceber que não é fazendo os estudantes escolher as disciplinas mais fáceis que se ganha o futuro, nesse dia pode haver esperança.



Fernando Pina
Secretario Geral da SPQ

Publicado/editado: 24/07/2006