Desabafo de uma Professora sobre a prova 642/1ªfase de 2006

À Sociedade Portuguesa de Química



Leccionei durante o ano lectivo que está a findar a disciplina de Química do 12º ano. Aos alunos do “ano de ninguém”. Não pertenceram à nova reforma nem à antiga. Foram sujeitos a um exame novo, de que pouco ou nada sabiam, enquanto os seus colegas “repetentes” realizaram uma prova da qual tinham um número incontável de provas modelo. Vão agora a concorrer a par ao ensino superior em manifesta desigualdade.

Fui coadjuvante da prova do exame 642 e fui correctora da mesma prova. Não posso ficar calada perante o desastre que foi esta prova. Uma prova mal elaborada, que pouco avalia, que tem perguntas cuja resposta ainda hoje não entendo e que, além de prejudicar uns milhares de alunos, desanimou todos os professores que trabalharam muito para dar um programa novo sobre conteúdos que desconheciam em absoluto.

Para quem acompanhou o fórum onde os professores que leccionaram a disciplina questionaram as autoras do programa, foi fácil ver as dificuldades que todos sentiram. Quatro manuais fracos, a focarem os tópicos com perspectivas a aprofundamentos diferentes, era o nosso ponto de partida.

Em meu entender, uma pergunta que é elaborada para uma prova de avaliação, seja ela qual for, tem que pretender avaliar algo. Nesta prova há várias perguntas onde eu não vejo o que se pretende avaliar ou o interesse do que julgo pretender avaliar-se.

Grupo I

Questão 5 – Para avaliar conhecimentos de oxidação-redução podem elaborar-se centenas de situações sem necessidade de recorrer um caso tão rebuscado, cujo grau de dificuldade ultrapassa em muito o que foi apresentado nos manuais e livros de apoio aprovados, incluindo o manual das autoras de um programa novo, já de si vago. Não avalia, com justiça e a meu ver, conhecimentos sobre oxidação redução.

Grupo II

Questão 2.2 – Para quê utilizar uma fórmula química com coeficientes estequiométricos de 0,08 e 0,06 quando se pretende que os alunos realizem um cálculo estequiométrico? Por que não aparece em qualquer manual nada do género?

Questão 3

Na questão 3.1, ainda hoje não sei o porquê da resposta considerada certa. Nem eu nem ninguém que eu conheça. Os professores supervisores, que reuniram em Lisboa com a “porta-voz” da equipa que elaborou a prova, perguntaram por que é que aquela era a resposta certa. Foi-lhes dito apenas que não as autoras da prova não respondiam porque os professores tinham obrigação de saber. O único comentário que me ocorre é “inaceitável”.

Quanto à questão 3.2, não vejo o que se pretende avaliar. A noção de que a baquelite foi o primeiro polímero sintético a ser produzido à escala industrial não me parece ter um interesse tão grande que justifique uma pergunta num exame nacional que visa um programa tão extenso e nem sequer é uma noção consensual.

Relativamente à alínea 3.3, no manual das autoras do programa aparece o grau de polimerização como o quociente entre a massa molar média do polímero e a massa do monómero. Ora o caso escolhido é um copolímero em que não há um monómero mas dois. Acabaram por chegar, oralmente, já que por escrito ninguém assume nada, orientações para dar cotação a quem considerou a massa de um qualquer dos monómeros bem como a soma das massas dos dois. Inaceitável.

Grupo III

Questão 1

Na alínea 1.5, dizem-nos que o valor encontrado é superior ao valor tabelado o que é completamente impossível. Ainda por cima consideram que uma possível resposta certa é a perda de calor por isolamento insuficiente, o que justificaria um valor experimental inferior ao tabelado e não o contrário.

Questão 6 - Os manuais não exploram a aplicação da expressão de Einstein. É dada mas não é aplicada embora a questão colocada seja extremamente simples.

Tanta exigência se apregoa para os professores e confia-se a elaboração de uma prova desta responsabilidade a uma equipa que elabora esta inaceitável prova!

Se o objectivo da equipa que elaborou esta prova, e cuja constituição é secreta (!!!), apesar de se vislumbrarem semelhanças com um dos manuais, era o insucesso total, o objectivo foi atingido. Se era virar mais uma vez a comunicação social e o povo português em geral, contra os professores, também vai ser atingido quando as pautas forem afixadas. Se era acabar com a disciplina de Química no 12º ano, também foi atingido já que, a partir de agora, só os masoquistas optarão por ela.

Enquanto professora sinto-me defraudada por ver avaliado assim um trabalho sério que fiz com os meus alunos durante todo o ano, e impotente para que algo se faça para que seja feita justiça, quanto mais não seja através da comunicação social.

Tenho consciência que se escrever para o GAVE ou JNE as minhas palavras terão como destino a tecla “delete”, tal como aconteceu no ano passado. Assim, atrevo-me a pedir à Sociedade Portuguesa de Química para falar em nome de todos os professores que não têm voz.



Com os meus cumprimentos

Maria da Graça Pimentel

Publicado/editado: 16/07/2006