Posição da SPQ sobre as novas metas curriculares e novos programas da disciplina de Físico-Química (10-11º ano) e de Química (12º ano)

A SPQ congratula-se com a abertura a discussão pública das novas metas e curricula dos programas das disciplinas de Físico-Química (10-11º ano) e de Química (12º ano), mostrando desde já a sua disponibilidade para colaborar no melhoramento dos mesmos. Lamenta, porém, que não tenha sido previamente consultada e gostaria de relembrar que enviou recentemente uma carta (elaborada em conjunto com os departamentos de química e engenharia química do país) sobre as preocupações que a assistem quanto ao futuro do ensino da química em Portugal, não tendo obtido qualquer retorno do MEC.

Independentemente do mérito e reconhecimento dos colegas selecionados para estudarem e elaborarem as novas metas e programas do ensino secundário, é no seio das sociedades científicas que a discussão deve, preferencialmente, encontrar os seus interlocutores.

A SPQ considera que no caso do programa dos 10-11º ano, este reflecte o que se pretende de uma formação química abrangente para o nível do ensino secundário. A metodologia utilizada vem no seguimento das metas curriculares definidades para a disciplina de Ciências Físico-Químicas dos 7º, 8º e 9º anos. Em relação aos anteriores programas os temas são abordados de forma mais clara e sem uma excessiva procura de contexto.

Salienta-se como muito positiva a ênfase dada à componente laboratorial nos programas de 10º/11º anos: "O Programa desta disciplina está elaborado atendendo a uma carga letiva semanal mínima de 315 minutos, sendo a aula de maior duração dedicada a atividades prático/laboratoriais. Nesta aula, com a duração máxima de 150 minutos, a turma deve funcionar desdobrada" (página 3)

No que se refere às metas curriculares do 12º ano os domínios abordados são os mesmos do anterior programa de Química para o 12º ano. A organização dos subdomínios também é muito semelhante, havendo apenas alguns tópicos que foram retirados ao anterior programa. Mesmo assim o programa ainda peca por ser muito extenso (ver detalhe abaixo).

No entanto, existem aspetos a necessitar reflexão.

Tanto nos programas do 10/11º anos como nos do 12º ano existe uma completa ausência do capítulo de cinética química/ velocidades das reações. Esta constitui uma lacuna importante.

As componentes laboratoriais  (atividades laboratoriais) associadas ao 12º ano carecem de renovação, sendo constituídas, basicamente, por exemplos já utilizados no ensino secundário e universitário, notando-se a falta de atividades inovadoras. Neste aspeto algumas atividades do 10/11º anos sofrem do mesmo problema (veja-se o exemplo da síntese do ácido acetilsalicílico). Existem, infelizmente, algumas dúvidas quando à exequibilidade das aulas laboratoriais em algumas escolas por falta de condições (materiais e de capacidade para desdobrar as aulas).

Não se encontra justificação, plausível, para que o efeito tampão apenas seja introduzido no programa do 12º ano, em vez de vir na sequência das reações ácido-base (programa de 11º ano).

O programa do 12º ano é particularmente extenso. Na opinião da SPQ faz pouco sentido entrar em campos que exigem conhecimentos mais aprofundado que só se obtêm com a frequência de um curso universitário. Damos como o seguinte exemplo constante do programa do 12º ano:

3.2. Metais, complexos e cor (...)

10. Associar a cor dos complexos com a absorção de radiação em zonas específicas do espetro visível a devido a transições eletrónicas entre orbitais d não totalmente ocupadas.
 

Este é um tópico que envolve o conhecimento do desdobramento de orbitais em campos de ligandos tetraédrico e octaédrico através da teoria do campo cristalino. Pode ser encontrado em disciplinas de química geral ou de química inorgânica a um nível universitário.

O programa do 12º ano continua a focar-se muito nas aplicações da química no contexto da sua importância no dia a dia (plásticos, materiais poliméricos, combustíveis, metais e ligas metálicas, etc.); se bem que salutar e louvável pode conduzir a uma menor valorização e aprofundamento dos aspetos fundamentais da química, parecendo paradoxalmente redutor da centralidade da química.

A SPQ deixa à consideração da equipa que elaborou o programa uma sugestão para o programa de 12º ano: se o objetivo é realçar a importância da química e a sua vertente multidisciplinar e de ciência central, sugeríamos que fosse incluído um capítulo(s) onde a ligação entre química e ambiente, química e arte, química e medicina, etc., pudessem ser abordados.

A SPQ salienta que o aspeto mais crucial da crise que a química (e física) sentem ao nível do interesse no ensino secundário e universitário se prende não tanto com os programas do ensino secundário, mas com o facto de a química (e física) não deverem ter o seu exame final no final do ciclo 10/11º ano, mas sim no 12º ano. Enquanto a exigência do conhecimento da química não se fizer ao nível do 12º ano, como é efetuado para as disciplinas de matemática e português, o problema de fundo continuará por solucionar.

Esta constitui uma primeira leitura da SPQ aos documentos hoje disponibilizados.

5 de novembro de 2013,

A direção da SPQ


Publicado/editado: 05/11/2013